Clave de Sons #12. O novo dos DIIV e recomendações de maio
Na sua crítica a Frog In Boiling Water, o novo álbum dos nova-iorquinos DIIV, Michael Tedder, a escrever na Stereogum, reitera: “Se há dez anos alguém me tivesse dito que os DIIV ainda estariam a fazer música e, mais ainda, fossem considerados uma banda influente para uma nova geração, estaria igualmente surpreso e aliviado.”
Perdoem-me a citação longa, mas o Michael escreveu exatamente as minhas primeiras considerações sobre Frog in Boiling Water. Como é que os DIIV ainda fazem música após tudo o que aconteceu nos primeiros anos da banda de Zachary Cole Smith? Mas ainda bem que fazem. Os DIIV são uma das melhores bandas de rock da atualidade e um dos porta-estandartes para o revivalismo do shoegaze – felizmente, sem soarem aborrecidos –e Frog in Boiling Water é um disco espantoso.
Os DIIV mudaram muito desde Oshin (2012), disco de estreia promissor pintado de tons góticos que devia tanto a uns The Cure (referência óbvia para as canções de Oshin) como a uns My Bloody Valentine (referência que se tornou mais óbvia com o passar do tempo). Deixaram de ser o projeto de Zachary Cole Smith – a seu lado tocam, atualmente, Andrew Bayley, Colin Caulfield e Ben Newman - para se transformar, no pós-Is the Is Are (2016), numa banda tremendamente bem oleada, capaz de jogar no limite entre a textura dissonante e calorosa e o barulho ensurdecedor alimentado por fuzz.
Em Deceiver (2019), a sobriedade de Zachary Cole Smith, que passou grande parte da década passada a tentar-se livrar de vícios (Is the Is Are, apesar da sua megalomania, é um disco que reflete essa luta), foi tema maior de reflexão para canções onde a catarse servia como forma de alimentar a nova vida da banda e, por consequência, a nossa (já escrevi sobre isso no passado). Se os DIIV de Oshin e Is the Is Are eram uma banda capaz de fazer boas canções perdidas no meio de discos que não passavam de promissores, os DIIV de Deceiver eram uma banda renovada, capaz de fazer um grande disco. Deceiver já é um clássico do shoegaze por esta altura e canções como “Horsehead” ou “Blankenship” estão no panteão do género.
Em Frog in Boiling Water, os DIIV estão a operar no mesmo registo de Deceiver. Aliás, os discos podem ser visto quase como irmãos, parentes, relacionados. São semelhantes em temáticas – crescimento pessoal, luta anticapitalista e ambientalista – e em abordagem sonora (shoegaze pesadão tanto a dever a uns Nothing como a Siamese Dream dos Smashing Pumpkins), mas divergem num elemento crucial que transforma Frog in Boiling Water num disco mais cerebral, cirúrgico e pensado. O que é curioso; se acreditarmos no que diz a press release que o acompanha, Frog in Boiling Water foi construído numa altura onde as tensões intra-banda quase resultaram no término da história dos DIIV.
Não consigo dizer que Frog in Boiling Water é um disco melhor ou pior que Deceiver – até porque Deceiver, particularmente durante o período pandémico, transformou-se num dos meus discos favoritos de sempre –, mas consigo dizer que Frog in Boiling Water tem presente um sentimento que estava mais escondido no seu predecessor: esperança. Se Deceiver ecoava isolamento, Frog in Boiling Water ecoa um estado de convergência. Não há momento que melhor represente o paradigma de Frog in Boiling Water que “Everyone Out”, canção onde os DIIV adicionam elementos de pós-rock ao seu shoegaze. O resultado é uma canção única, das melhores do repertório da banda, onde Zachary Cole Smith canta: “Ready for my life / Have faith this / Beautiful time will be”.
Mas será que é possível ter esperança quando tudo à nossa volta está a colapsar? Assistimos ao genocídio do povo palestiniano e os nossos governantes nada fazem (“We're just fodder for the army op” ouve-se em “Raining On Your Pillow”). O capitalismo está podre e já se transformou num outro monstro. Os ricos ficam mais ricos, os pobres mais pobres (“The rotating villains / Profit off suffering”, canta Smith na dissonante “In Amber”, canção maravilhosa que abre o álbum). Lisboa, no nosso caso, transforma-se num parque de diversões a céu aberto para nómadas digitais e especulação imobiliária onde cada vez mais pessoas vivem na rua, sem casa. E o direito a habitação inscrito na nossa constituição? Pois. Uma miséria, portanto. Restam os nossos amigues e a arte de bandas como os DIIV para consolo.
É natural que, perante cenários como estes, os DIIV passem grande parte de Frog in Boiling Water numa constante luta entre desistirem e lutarem. Em “Reflected”, canção que lembra uns My Bloody Valentine sem soar pastiche (os DIIV entendem que o shoegaze é sobre casar perfeitamente sujidade e dissonância para nos submergir e não só sobre acumular camadas de guitarras umas cimas por das outras até soar tExTuRaL), escuta-se: “Look in my eyes / Repeat the lie / We can still have hope / Remind me why / Our parasites / Are still in control”.
E como se não bastasse temos de lidar com a destruição coletiva do mundo, temos ainda de lidar com os nossos próprios traumas, aprendendo com eles para tentarmos sermos melhores. Muito do universo de Deceiver e Frog in Boiling Water é passado com os DIIV, particular Zachary Cole Smith, em busca de um casulo seguro. Casulo esse onde, coletivamente, podemos ter a tolerância e empatia para aceitar os erros uns dos outros e para crescermos em conjunto enquanto indivíduos. É a forma dos DIIV transformarem a sua complexa história enquanto individuo numa carta para que todos possamos crescer enquanto coletivo.
“Soul-net”, peça central do disco onde os DIIV milimetricamente constroem uma das melhores canções de shoegaze de sempre (é das canções do álbum onde a referência aos CAN e aos NEU! como influências para este álbum faz todo o sentido), Zachary Cole Smith encontra paz com o seu passado (“I lived through pain / I'm learning to see through everything), um sentimento que, no início do disco, tinha ecoado na pesadíssima “Brown Paper Bag” – “The past erased / I'll embrace my mistakes”. Tu e nós, Cole. Tu e nós.
Nota: Recomendo que todos leiam a thread que o Zachary publicou no Twitter sobre vício e empatia. Temos mesmo muito a aprender com os DIIV.
Recomendações de maio
Mdou Moctar, Funeral for Justice – Os Mdou Moctar agarraram no melhor de Afrique Victime e fizeram um belíssimo disco a partir disso.
Knocked Loose, You Won’t Go Before You’re Supposed To Go – Nenhuma banda faz música tão pesada soar tão bem (e tão diferente) como os Knocked Loose.
Lightning Bug, No Paradise – Disco mui-bonito e perfeito para estes últimos dias de Primavera.
Beth Gibbons, Lives Outgrown – O primeiro real disco a solo da vocalista dos Portishead é uma maravilha. Uma pessoa fica sem chão ao escutá-lo.
Lip Critic, Hex Dealer – Imaginem se os Death Grips e os Model/Actriz tivessem um bebé sonoro – é isto que soa. Entusiasmante do início ao fim.
Crumb, AMAMA – Pela primeira vez desde os EPs, os Crumb fazem um disco interessante do início ao fim.
Nathy Peluso, GRASA – Mais pessoa deviam estar a falar deste disco. Pop latina diferenciada.
One Step Closer, All You Embrace – Um lembrete que o hardcore pode ser o que quisermos.
Marina Satti, P.O.P. – Super interessantes malhas pop vindas da “ROSALÍA grega”.
Pale Spring, murmuration EP - Fechar os olhos. Escutar com atenção. Deixar-se envolver pelas ondas sonoras deste mui-bonito curta-duração.
Vince Staples, Dark Times – O melhor disco do Vince desde os tempos de Big Fish Theory.
JÜRA, sortaminha - Um dos melhores discos do ano. Pop de alto gabarito made in Portugal. Ler entrevista no Rimas e Batidas
Monday, Underwater, feels like eternity – Se não chorarem a ouvir o novo disco da Cat Falcão, estão a fazer algo de errado (ou de muito certo…) com a vida.
Reia Cibele, Reia Cibele – Um estaladão na puta das fuças doía menos que ouvir as malhas do EP de estreia deste quarteto de screamo lisboeta. E isso é exatamente tudo o que precisam de saber para irem ouvir Reia Cibele.
zé menos & Pedro, O Mau, quatro partos - A junção do rapper zé menos com o produtor Pedro, O Mau, é exatamente àquilo que se espera: um dos projetos mais excitantes do ano no hip-hop nacional. Música demasiado adequada aos dias de hoje.
Por falta de tempo, não há entrevista nesta edição da Clave de Sons.