Estas têm sido semanas miseráveis para qualquer melómano português. O Lounge vai fechar no final do ano (mais uma vítima da crise imobiliária e do fenómeno Lisboa-cidade-parque-de-diversões) e, ontem, a SBSR.FM teve a sua última emissão. Para os menos atentos, a venda da rádio dedicada à música independente pela Música no Coração à Medialivre (dona do CM e da CMTV, entre outras coisas) já tinha sido anunciada em março. Apesar disso, o encerramento continua a ser um murro no estômago – mesmo que tenha sido em formato de festa de despedida.
Isto são, e nem deveria ser preciso explicar, péssimas notícias para o circuito independente português – particularmente para o lisboeta. No caso do Lounge, talvez fosse dos últimos sítios na capital onde havia curadoria e espaço para bandas emergentes tocarem para um público interessado em escutar coisas novas. Uma noite de concertos no Lounge, particularmente para os fãs de rock carregado de fuzz, era uma noite a não faltar (especialmente pela acessibilidade a nível monetário, coisa MUITO RARA em Lisboa nos dias que correm). No caso da SBSR.FM, o seu encerramento elimina da cena um dos players mais dedicado à divulgação e exposição de música independente portuguesa. Após a transformação da Vodafone FM na versão Frankenstein que é a Batida FM, o encerramento da SBSR.FM leva a uma pergunta: onde é que os artistas da cena independente portuguesa se podem fazer ouvir hoje?
O fim do Lounge e da SBSR.FM dita, de certa forma, o fim de uma era. Muitas bandas se queixam que, neste momento, os canais de divulgação para a música independente em Portugal estão, essencialmente, aniquilados. Não há assim tantos blogs a surgirem, as legacy publications não querem muito saber a não ser que tenhas o PR certo (valha-nos o grande PAC na Blitz) e a precariedade atual do setor dita que é impossível viver disto. Citando a Puja Patel, ex-editora da Pitchfork, a conversar comigo no MIL, “não recomendo ninguém a tentar fazer carreira de jornalismo musical nos dias de hoje”. É uma triste realidade, mas é a realidade. Ela não foi a primeira a dizer-me isso no último ano.
Nesse aspeto, a SBSR.FM, tal como o Lounge, era um dos últimos bastiões de uma era onde a curadoria importava. Eram melómanos, amantes de música, a fazer rádio para melómanos e amantes de música. Na SBSR.FM, havia espaço para artistas emergentes irem tocar e conversar com os locutores, e praticamente todos os programas expunham o ouvinte a música “nova” e refrescante. De certa forma, havia uma mini-comunidade em torno da SBSR.FM. Acho que isso talvez a distinga de rádios como a Vodafone FM em final de vida ou o estado algo “zombieficado” da Radar atual. A Futura talvez seja diferente devido aos eventos que faz, mas sinto que o seu impacto verdadeiro é mínimo no circuito. A SBSR.FM, mesmo com o fim anunciado, não parou. Continuou a ter uma presença assídua e importante a expor artistas independentes portugueses até ao último minuto. Não se esqueceu da sua missão enquanto rádio, portanto. Estranho que este tipo de serviço público seja feito por um privado, não é? Dá que pensar, mas isso são outros quinhentos.
É claro que a SBSR.FM e o Lounge teriam os seus defeitos, mas neste momento, não importam. Quando acima escrevi que este momento assinava o fim de uma era, há que sublinhar que geralmente o fim significa o início de algo novo. Haja esperança aí, portanto.
Porém, complicado pensar num futuro onde estes lugares não existem neste ecossistema. Não pareciam eternos, mas era como se fossem. No final do ano, aquele cantinho escondido na Rua da Moeda já não vai estar lá; agora, se sintonizarmos na 90.4 em Lisboa e no 91.0 no Grande Porto, não vamos ouvir o Ricardo Mariano ou o Tiago Castro (entre outros, claro) a fazerem boa rádio. É um sentimento algo semelhante àquele que sentimos quando o Sabotage encerrou definitivamente portas em 2020 ou quando o Café au Lait encerrou no início do ano. Hoje, a saudade ainda é tanta que o próprio Sabotage vai regressar em modo nostalgia para um evento na SMUP (é a 19 de outubro, para os interessados). Quando fui ao Porto recentemente e passei na rua do Café au Lait, senti uma enorme tristeza. Naquele sítio, muita coisa aconteceu e muita gente foi feliz. Agora, essas memórias tinham-se transformado em pó moribundo preso na calçada adjacente. Se em 2020 o underground estava “preso por nós”, que dizer agora?
Não sei bem qual é o futuro. Em Lisboa, e falo por ser a cidade onde vivo, há cada vez menos sítios para tocar (e ensaiar). Se eu fizesse parte de uma banda a começar, não sei para onde me viraria. Tentaria tocar num sítio com poucas condições porque não existe alternativa ou lançar-me-ia para um Tokyo, Musicbox ou B.Leza com o risco de perder €€€? Assim, só pessoas com uma grande base de segurança (leia-se, dinheiro e casa em Lisboa) têm a oportunidade de tomar esse risco. E quem diz em Lisboa, diz também no Porto. O facto de alguns destes sítios não pagarem cachê ou não darem condições mínimas (jantar, dormida, um fuckin’ backline) só ajuda a que o circuito esteja cada vez menos disposto a dar as boas-vindas a novos players. Para quê tocar ao vivo se é um putedo descomunal marcar e organizar um concerto? E em Portugal, se não tocas ao vivo, é como se não existisses praticamente para o circuito. E se não existem canais de divulgação como a SBSR.FM, onde vai a tua música ser tocada sequer? Pode sequer tenhas a sorte de ir parar a uma playlist editorial do Spotify ou que o Pedro Ribeiro curta de ti e passes na Rádio Comercial – boa sorte com isso.
Mais do que nunca, é preciso que a comunidade em torno do circuito independente e alternativo em Portugal se una. Editoras, jornalistas, PRs, músicos, têm de ser relembrados que estamos todos a tentar remar para o mesmo lado. Isto não é uma competição para quem tem a sua música escutada em mais sítios ou para quem consegue uma capa no Ípsilon (e será que ainda vale assim tanto isso num período pós-Belanciano? Fica a pergunta no ar). Estamos num momento em que temos de criar alternativas geridas por nós e que se entreajudem. Se há um momento para criares o teu blog, é agora. Se há um momento para começar a organizares coisas, é agora. Façam as vossas curadorias e escrevam sobre o que vos apetece e andam a ouvir. Agarrem nos vossos amigos e comecem algo de novo. Se for fora dos grandes centros urbanos, ainda melhor. Como diria o Zeca: “Traz Outro Amigo Também”. “Seja bem-vindo quem vier por bem”.
Uma amiga minha disse-me que esta newsletter tem o seu quê de wholesome. Sinto que esta mini-edição não tem grande coisa de wholesome, mas no meio de tanto desaire, tentei mesmo encontrar alguma esperança. Façam coisas, criem coisas. Não desistam. Eu sei que não vou. Vemo-nos por aí.
As recomendações e entrevistas voltam em meados de outubro. Peço desculpa, mas por falta de tempo não consigo publicar agora tudo o que pretendo.