Clave de Sons #20: Entrevista com Co$tanza e Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem
Na passada quinta-feira (12), fui ao UBBO assistir ao screening de Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem, o filme anime dos Daft Punk para Discovery (2001), o melhor disco (ou pelo menos, o meu favorito) do duo francês que mudou o curso da música eletrónica a partir de Homework (1997).
Assistir a Interstella 5555 foi uma experiência arrebatadora. Ao início, estava com medo. Quando o screening foi anunciado, o trailer mostrava indícios de que este “remaster” não era bem um “remaster”, mas mais uma espécie de upscale que parecia ter sido feito com a ajuda de inteligência artificial. Não sou nada fã desse tipo de intervenções, especialmente em grande escala, ficam já a saber. Porém, no grande ecrã, se foi feito um upscale desse género, não se notou MUITO (mas o facto de saber que foi feito dói-me no coração).
Foi emotivo ver aquelas personagens ganhar vida num ecrã digno delas, ver aquelas cores incendiarem os meus olhos outra vez, ouvir aquelas canções que tanto me dizem. “Something About Us” e “Veridis Quo” a arrebataram-me o coração? Uma e outra vez. Dançar com “One More Time” ou “Face to Face”? Sempre. Aquelas guitarras que soam a teclas e aquelas teclas que soam a guitarras continuam a impressionar. Soam nostálgicas e a futuro ao mesmo tempo.
O quanto ainda brilha Discovery e o legado dos Daft Punk. Só queria que o público estivesse menos restringido para se levantar e dançar. Essas malhas mereciam e merecem.
Quem me dera ter visto os Daft Punk ao vivo, mas duvido que isso alguma vez venha a acontecer. E honestamente? Espero que assim se mantenha. Há histórias que precisam de terminar para que outros capítulos se iniciem. Afinal, ainda há mais por descobrir (ehehe).
P.S. O Pedro João Santos tem razão quando diz que podiam ter passado o teledisco da “Television Rules the Nation” no final com todos os outros videoclípes.
A falar em nostalgia, vamos conversar sobre um dos discos mais nostálgicos dos últimos anos na música portuguesa. Falo de Linha Verde, álbum de estreia de Miguel Costa, ou seja, Co$tanza, editado em 2019, que no próximo dia 21 de dezembro vai ser celebrado com um concerto especial na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa.
Linha Verde é um disco curioso e Co$tanza é um artista extremamente curioso. Para quem reconhece o nome, poderá associá-lo às suas colaborações com nomes como Chico da Tina ou Kenny Berg. Contudo, para muitos, e talvez até para o próprio, Co$tanza é (re)lembrado como o autor de Linha Verde. Afinal, que tem este disco de especial para poder ser visto como uma espécie de objeto de culto, particularmente entre lisboetas?
Primeiro, a sua estética 8bit, baseada em trilhas sonoras de videojogos, que confere ao álbum os seus traços mais nostálgicos. Segundo, um álbum em que cada faixa representa uma estação da linha verde? MM..FOOOD para qualquer alterno que tenha arrendado um quarto no eixo Areeiro-Martim Moniz nos últimos cinco anos. Terceiro, o disco é genuinamente bom e, acima de tudo, único. No universo do proto-hyperpop português, nenhum disco soa igual a Linha Verde.
No próximo dia 21 de dezembro, Co$tanza celebra cinco anos de Linha Verde com a sua Post Modem Orchestra, onde o produtor vai tocá-lo com amigues pela primeira vez (e talvez única) com “instrumentos reais”. Fui assistir a um dos ensaios da banda no Scratch para falar com o Miguel sobre este concerto e sobre estes cinco anos que passaram desde o lançamento do seu álbum de estreia.
Quando apresentaste o Linha Verde pela primeira vez no Lounge em 2019, tocaste o disco em formato de orquestra MIDI. Agora, cinco anos depois, o disco vai ser tocado em formato de orquestra com "instrumentos reais". De onde surgiu a ideia de apresentar o disco neste formato?
Em primeiro lugar, foi para variar. Depois, todos os discos que eu curtia de videojogos, como a banda sonora de Secret of Mana, têm versões tocadas com uma orquestra gigante, e sempre achei isso engraçado. Por acaso, prefiro ouvir os originais, mas gostava imenso de ir a um concerto desse género e achei que era uma ideia interessante para tocar o Linha Verde. Além disso, também queria tocar com pessoas diferentes e queria que o disco soasse diferente. Não queria que o concerto soasse igual àquilo que soou há cinco anos.
A única pessoa que se mantém da orquestra que tocou no Lounge em 2019 é o Guilherme, certo?
Sim. Mas o Pedro Ferreira, que vai tocar bateria, tocou num dos últimos concertos do Linha Verde.
Em MIDI?
Sim. Este é o primeiro concerto em que vamos tocar o Linha Verde com instrumentos e provavelmente será o último [risos].
Porquê a escolha do 8bit para representar estas estações na altura?
[Risos] Por acaso, nem sei. Eu estava bué into música de videojogos e senti que a linha verde, apesar de não ser uma linha assim tão grande, é uma linha pela qual toda a gente passa. Pelo menos eu, na altura, passava todos os dias lá e sentia que cada estação tinha uma personalidade diferente e decidi fazer dessa maneira. Estava mesmo bué into essa cena de 8bit e fez-me todo o sentido.
O que estavas a jogar na altura ou a ouvir de bandas sonoras de videojogos?
Ouvia imenso a banda sonora de Secret of Mana. Mas o que estava a jogar? Boa questão. Não me lembro!
Lembro-me de algumas pessoas compararem o Linha Verde com a banda sonora do Undertale.
Percebo a comparação. Eu ouço imensas bandas sonoras de videojogos à toa no Youtube, estás a ver? Aliás, ouço mais bandas sonoras de videojogos do que jogo, especialmente hoje em dia. Há imensas bandas sonoras que nem conheço o nome porque estão no Youtube com o título em mandarim ou assim, e eu só curto mesmo da cena. Até se nota quando lancei a "Arroios" agora. Já não tem muito a mesma vibe das outras músicas porque, entretanto, ouvi outras coisas.
A "Arroios" foi composta mais tarde ou era uma ideia que vinha de 2019?
Eu compus quando o metro de Arroios voltou a abrir. Ia lançar logo nessa altura, só que não lancei. Ou seja, a malha deve ter dois anos. Entretanto, levou uns ajustes antes de ser lançada.
Sentes que o Linha Verde tem uma cena nostálgica associada?
Acho que a minha identidade de produtor já é algo nostálgica por si só. Na altura em que fiz o Linha Verde, estava super deprimido e acho que, em certa parte, a minha memória de cada estação foi construída a partir das minhas memórias na zona de cada estação. Ou seja, os sons do Linha Verde surgam da junção da minha perceção de cada estação, de cada zona à volta da estação e da própria arquitetura da estação. Se fores ver fotografias de cada estação e ouvires as músicas, acho que faz sentido a correlação. Pelo menos, na minha cabeça, faz sentido e tudo isso foi importante para o sound design das malhas. Acho que quando estava a compor o álbum, já estava a colocar esse sentimento de nostalgia por refletir sobre coisas que me tinham acontecido na zona de cada estação.
Quando hoje fazes a linha verde e pensas nos sons que fizeste, ainda achas que eles se adaptam àquilo que sentes ou a ambiência já mudou?
Já mudou imenso. A vida continuou e surgiram outras histórias. Hoje em dia, teria feito o disco de outra forma, sem dúvida.
Ainda em 8bit?
Sim. Na altura, até queria ter feito um minigame com cada estação. Isso falou-se, mas depois não avançou para a frente.
Da linha verde, qual achas que seria a linha onde aconteceria uma boss fight?
A do Cais do Sodré. A Baixa-Chiado é pré-boss fight, mas depois o Cais é a confusão e tensão total.
Por ser linha terminal?
Sim. Toda a gente acaba por sair no Cais. É uma estação caótica. Quando sais, está toda a gente a correr. É tenso. É sempre tenso. Não consegues estar relaxado ali. Mas se houvesse uma estação para uma boss fight a meio do jogo, seria Alvalade.
Sentes que a vibe da linha verde muda em Alvalade?
Muda bué. De Telheiras até Alvalade, tudo muda. Depois, a partir de Roma até aos Anjos, diria que existe a mesma ambience. A Alameda é sempre aquela cena um bocado spooky, porque a Alameda é spooky no geral.
A estação da Alameda à noite é um bocado liminal space.
É bué. E a cena das pizzas? Eu adoro aquelas pizzas, mas porquê é que estão ali? [Risos]
Em 2019, disseste ao Rimas e Batidas que o Simão Simões tinha sido muito importante na construção do Linha Verde. Que papel é que ele teve na idealização da ideia?
Partilhar discos comigo, dar-me dicas. Valorizo muito a opinião dele, especialmente no que toca a música de videojogos. Na altura, então, ainda mais.
Era uma pessoa com quem falavas sobre isso?
Sim. Já somos amigos há imensos anos e ele mostrou-me imensas cenas. Foi por isso que, na altura, lhe dei esse props e continuo a dar. Foi ele que me mostrou a banda sonora de Secret of Mana, por exemplo, e eu fiquei maluco com aquilo. Depois, joguei o jogo. Até fez sentido ele ter feito o cartaz agora para o concerto na ZdB porque ele sempre esteve lá. Pode não ter estado envolvido na produção, mas era uma espécie de treinador de bancada pelas tips que dava e pelos discos que me mostrava.
Como foi preparar os arranjos para este concerto? Durante o ensaio, notei que vocês tinham pautas das malhas e nota-se que existiu um trabalho de preparação ainda grande para este concerto. Foste tu o responsável por isso ou foi algo feito em conjunto com a orquestra?
Eu tive de ir a todos os projetos um a um e tentar imaginar na minha cabeça como poderia soar bem com instrumentos. Tive de tirar os MIDIs para toda a gente. Há gente que tem pautas, há gente que tem os MIDis imprimidos. Eu tirei screenshots aos MIDIs, fiz PDFs para cada um com as indicações de quando um entra ou quando sai conforme as músicas. Depois, ajustamos tudo. Estivemos agora um mês a aprender as músicas e alteramos coisas conforme.
Passado estes cinco anos, que legado vês para o Linha Verde na tua progressão artística como também na cena musical portuguesa?
Acho que o disco é mais importante do que eu acho que o disco é. Isso é algo que fui percebendo ao longo do tempo. Acho que apesar de já se terem passado bué anos, e de eu ter feito imenso tipo de música diferente, acho que a minha identidade de teclados ainda é a mesma, seja em 8bit ou não. A minha visão está sempre lá. Portanto, acho que o Linha Verde vai ficar para sempre marcado como a minha apresentação ao "mundo" e a este nicho de música eletrónica como a minha identidade de fazer uma estrutura ou fazer os synths soar assim desta maneira. Claro que, na altura, não fui o único que fiz o disco - houve mais pessoas envolvidas nisso. Mas ao longo destes anos, sempre que faço uma cena nova, sinto que podia ser Linha Verde na mesma. Pode estar mais exagerado, pode estar em esteróides, mas a minha identidade está lá à mesma.
Se calhar, se despires todos os teus sons depois do Linha Verde das camadas, soam a canções do Linha Verde.
Ya. É um bocado isso. Quando lancei o Co$tape, lembro-me que o meu amigo Mat disse-me que, quando começou a ouvir esse disco, achava que ia ser uma cena estilo Linha Verde, mas de repente, passado um minuto e tal, aquilo soava a Linha Verde em esteróides máximo. A cena está lá, percebes? Se eu tirasse as camadas, ficava uma cena assim mais Linha Verde. Ou se ouvires só os teclados, os synths e os leads das músicas que tenho com o Kenny Berg, também podiam ser músicas do Linha Verde.
Neste concerto na ZdB que vai decorrer no dia 21, o que se pode esperar? O que estive a ouvir nos ensaios lembra-me mais cenas como Mort Garson ou o Music For Airports do Brian Eno do que o som 8bit do disco original. Soa mais orgânico.
Foi isso que procurei. Não há backing track e queria que fosse uma cena mais "bonita", por assim dizer.
Curioso dizeres isso. Acho que as canções do Linha Verde têm potencial para soarem menos nostálgicos neste formato.
Soa mais como se fossem músicos experientes a tocar as malhas, digamos. Eu fiquei de pé atrás quando começamos a ensaiar, sabes? Porque as músicas começaram a soar um bocadinho a prog e eu não gosto muito de prog. Porém, depois percebi: o disco é prog. Só os sons é que mudam. Estamos a tocar a mesma cena. Acho que o facto de termos os teclados originais, temos na mesma uma percentagem de nostalgia.
É aquilo que estávamos a falar. A identidade dos teclados é a base, mas as coisas que estão a acontecer à volta são agora diferentes.
Estão com bué camadas em cima, sim. Mas o que estava a dizer de soar bonito... Os synths 8bit são feios! Eu gosto dos synths, mas soam rasgados. Quando digo mais bonito, é mais suave, etéreo. Está a ser uma experiência fixe preparar este concerto.
Os bilhetes para o concerto de celebração de cinco anos de Linha Verde podem ser adquiridos aqui. A primeira parte pertence a norma e o after a Pedro Alves Sousa em modo DJ CASIOCORE.
De segunda a sexta-feira da próxima semana, aguardem a publicação dos meus tops de 2024.