Clave de Sons #26: Entrevista com bbb hairdryer, Better Man e recomendações de dezembro e janeiro
Antes demais, um breve pedido de desculpas pelo atraso na publicação da edição de janeiro da Clave de Sons. Explicação para o atraso. Há duas semanas, quando era suposto ter ido falar com bbb hairdryer, fiquei doente e tive de adiar a conversa uma semana. Resultado? Depois de entrevistar a banda na semana passada, meteu-se a minha ida ao Square pelo meio – ou seja, a Braga – para moderar uma conversa sobre músicos e precariedade. A escrita atrasou. Desculpem.
Posto isto, breves notas sobre janeiro. Vi Better Man nos cinemas e arrependi-me de ter gozado com a ideia quando foi anunciada ao mundo. Robbie Williams em modo macaco CGI? Achei uma ideia parva, mas estava enganado. Este filme não devia existir, mas ainda bem que existi. Chorei e ri no cinema e não fui o único do grupo de amigues com quem fui assistir à longa-metragem.
Apesar da música do Robbie Williams ser melodramática em demasia, a sua pop tem muito de eficiente. Obrigada, mãe, por me mostrares o Robbie em criança. E caso queiram saber, a minha canção favorita do britânico é “Come Undone”. Aparece no filme – e ainda bem. As sequências musicais de Better Man são fantásticas – as sequências ao som “Rock DJ” e “Let Me Entertain You” são inesquecíveis (Michael Gracey, depois de The Greatest Showman, volta a provar que é feito para fazer musicais) – e a longa-metragem humaniza e abraça toda a delinquência e exuberância de Robbie Williams. Ele sabe que nós sabemos que ele é deranged e não esconde. Precisam de mais alguma prova para verem Better Man (mesmo que seja de forma completamente ilegal)? O Ípsilon deu 3 estrelas. Tudo dito.
Uma última nota. Se tiverem algum dinheiro de lado, recomendo que apoiem o crowdfunding da RUC (Rádio Universidade de Coimbra). A RUC é das mais importantes instituições culturais não só do distrito de Coimbra, mas também do país. A RUC precisa de renovar o seu material e precisa de ajuda para atingir o seu objetivo de 30 000€. Estão quase a atingir o objetivo e ainda faltam alguns dias para fechar as doações. Portanto, ajudem. Ajudem malta fixe a continuar a fazer cenas fixes.
O rock cru de bbb hairdryer
Podemos achar o que quisermos, mas a verdade é esta: bbb hairdryer é uma das bandas mais excitantes do panorama nacional. Não sou só eu que acho isso – apesar de eu ser um recente convertido – mas a maior atenção que Elisabete Guerra (voz, guitarra, letra), Francisco Couto (baixo), Miguel Gomes (bateria) e Chica (guitarra) têm recebido por parte da crítica (Ípsilon, Time Out Lisboa, Blitz) e público surge de um conjunto de fatores que se tornam aparentes à medida que exploramos o álbum que o quarteto editou em 2024 com a ajuda da Revolve: A Single Mother / A Single Woman / An Only Child.
Por um lado, claro, a qualidade da música. Em A Single Mother / A Single Woman / An Only Child, escutamos o lado mais explosivo de bbb hairdryer, aquele que muitas vezes surge como ponto de referência quando se fala da banda pelas suas catárticas performances ao vivo. Ao longo dos últimos anos, Elisabete Guerra (Elisa para os amigues) transformou aquilo que começou como um projeto a solo dos tempos do Zaratan, com canções gravadas no seu quarto e publicadas no Bandcamp, num projeto coletivo, acompanhada por compinchas que complementam o universo musical de bbb hairdryer.
Se pela formação de bbb hairdryer já passaram várias caras, são as de Francisco Couto (ou seja, HIFA, também baixista de Maria Reis ao vivo), amigo de longa data de Elisabete, Miguel Gomes (ou seja, Chinaskee) e Chica (cantautora de eleição, também guitarrista ao vivo de Vaiapraia) que providenciam as fundações musicais mais estáveis para as ideias musicais que pairam pela banda. Se (inalar) Kingdom Hearts II Final Mix: pretty generic radio pop with a few fucks and edgelord lyrics (respirar) de 2022 foi a revelação de um projeto promissor, A Single Mother / A Single Woman / An Only Child serve como primeira confirmação para um projeto que vive perigosamente perto, em momentos, de um constante estado de ebulição. A própria banda tem noção disso.
Ao vivo, o suor (e sangue) de bbb hairdryer é real. “Se nos vires ao vivo, não há muito de performance a acontecer ali, é tudo muito real”, afirma Elisabete Guerra. Não há “nenhuma quarta parede”. Os gritos soam viscerais, muitas vezes tal e qual o álbum. E não há cá tretas. Para tocar estas malhas ao vivo, é preciso abraçar a catarse e entender que é necessário “responder a todos os estímulos”, como enuncia Chica. “Soa tudo melhor a partir do momento em que estás a levar com o som em cima”, reflete a guitarrista. Afinal, em bbb hairdryer só Chinaskee é que toca de frente para o público, o único capaz de perceber o que está a acontecer diante dos seus olhos. Os restantes tocam de costas, virados para os seus amplificadores, pronto a levar com uma torrente de ruído em cima.
“Quando começamos a tocar juntos, para mim foi uma experiência insane”, reflete Francisco Couto. “Sabe bué bem berrar para o ar”, comenta entre risos. “É difícil encontrar um sítio onde posso puxar de um berro e aqui posso fazê-lo”, conclui. Para Elisabete, contudo, a experiência é ligeiramente diferente. Afinal, é ela quem escreve as letras destas canções e que as interpreta – e estas são as suas experiências, acima de tudo. E se a violência em bbb hairdryer não tem nada de gratuito, estas canções são cada vez mais pesadas por um motivo. Mesmo que exista um desejo em Elisabete de arranjar “maneiras” para ser mais saudável, existe em bbb hairdryer um claro desejo de libertação total e escape das constantes frustrações e mágoas da vida. “Se as coisas soam mais pesadas, é porque estamos mais chateados”, enuncia Elisabete. Não há dúvida que é verdade. O mundo assim justifica.
Há semelhança na abordagem musical entre Kingdom Hearts II e A Single Mother / A Single Woman / An Only Child. Contudo, note-se que, 1) foram bandas completamente diferentes a gravar os discos, e 2) A Single Mother / A Single Woman / An Only Child é *muito* mais pesado que o seu predecessor. Em “Wrong Bones / Knife” e “Count Your Blessings” (verdadeiro malhão), as duas primeiras canções do disco, rapidamente somos apresentados a uma cacofonia (elogio), perdida algures entre o registo emo de uns Brand New, a melodia de uns Cave Story (bbb 100% pertence à linhagem do rock das Caldas da Rainha), a sujidade punk de uns Nirvana ou de uns Gasoleene, a explosão ruidosa de uns Sonic Youth, a catarse de White Pony dos Deftones.
Nada em A Single Mother / A Single Woman / An Only Child é aparentemente acessível à primeira vista, mas com o passar do tempo, ganha outros contornos. Há canções debaixo do ruído e muitas delas estão cheias de momentos que ficam no ouvido – particularmente de riffs bem pomposos. Podemos estar muito longe de bbb hairdryer enquanto projeto devoto a Car Seat Headrest dos tempos a solo de Elisabete, mas as bases continuam lá. Simplesmente agora são tocadas por uma banda que, apesar de fofos entre si, parece que nos quer arrancar a cara com a sua música (mais uma vez, elogio).
“Esta mudança surgiu porque também começamos a ouvir música mais pesada”, confessa Francisco. Foi o baixista e Chinaskee que acompanharam Elisa em formato trio durante grande parte dos concertos de Kingdom Hearts II. “Isso deu-nos vontade de criar músicas novas”, conta Miguel Gomes. Depois, chica juntou-se ao trio em estúdio para tocar umas canções e fez todo o sentido juntar-se ao trio que se transformou em quarteto. “Conhecermo-nos os quatro como banda deu-nos para começar a fazer o disco”, elabora Chinaskee.
O processo para a banda construir as canções de A Single Mother / A Single Woman / An Only Child continuou a acontecer a partir “dos riffs e das letras da Elisa”. Depois, os quatro evoluíram as canções em conjunto. “Já tínhamos a blueprint de como bbb soava do álbum anterior e acabamos por selecionar aquilo que fez sentido para nós criativamente perseguir enquanto banda”, reflete Francisco Couto. “Senti que durante as composições das músicas cada um puxou para o seu lado, mas no final acabamos por nos encontrar”, conta Chinaskee. Para Chica, o processo de gravação é o momento em que se consegue ouvir “as coisas muito mais por inteiro e perceber quais são os momentos altos e baixos da música”. “Sinto que é aí onde as coisas se refinam”, conclui a guitarrista.
O que isto significa? Em A Single Mother / A Single Woman / An Only Child, escutamos algo que soa mais próximo daquilo que bbb hairdryer é enquanto banda ao vivo: uma experiência visceral. Foi o técnico de som da banda, Bernardo Ramos (aka canalzero), que gravou o disco. Nota-se. “O Bernardo teve a preocupação de captar as canções como elas são”, enuncia Elisabete. Depois, Filipe Sambado teve nas mãos a responsabilidade de acrescentar manipulações digitais à distorção que amplificaram o ruído destas canções durante o processo de mistura do álbum. Mais uma vez, tudo para acrescentar camadas à experiência emocionalmente intensa que é escutar A Single Mother / A Single Woman / An Only Child.
Há momentos do álbum onde escutamos aquilo que é o esqueleto de bbb hairdryer. Em “Not Afraid of Death”, escutamos o lado mais “sensível” da banda, só a voz e guitarra de Elisabete Guerra a crispar em conjunto; em “For Them To Want To Fuck Me”, última canção do disco, ressacamos todo o ruído anterior entre o desconforto e a ternura da malha. Antes disso, contudo, pandemónio. É assim que opera bbb hairdryer em formato de grupo. Entre o pandemónio do ruído e a ternura da amizade. “P.O.V. I’m Lying To You - "I Don't Wanna Be Phoebe Bridgers Anymore" (com nëss) tem em si um dos únicos refrões cantados do disco, pronto a ser berrado a altos pulmões país fora. “Suck”, próxima do shoegaze bem rasgado, é das melhores canções do álbum. “Pulsing Meat” tem um riff digno de ser escutado no Amplifest – e é bom que seja (fica a dica).
bbb hairdryer é mais do que a autodescrição para a música da banda como satanic trans guitar shit (“rótulo excelente”, enunciou o Paulo André Cecílio na Blitz) e é preciso - aliás, necessário - que a música do quarteto seja escutada por este país fora. Afinal, é crucial que existam referências queer que mostrem que é possível fazer barulho com amigues e transformar esse barulho em canções. Mais do que nunca, esse espírito é fundamental. Juntar pessoas, criar coisas, fazer amigues, conhecer pessoas novas, levar experiências novas a pessoas de outros sítios. bbb hairdryer não é o único projeto com capacidade para fazer isso.
Afinal, o que une a geração atual da música de guitarra portuguesa emotiva – os Humana Taranja, Dispirited Spirits, Chinaskee, Gonkallo, Ekcetera – é algo mais do que as referências em comum. É mesmo a capacidade de espelharem as emoções de muitos adolescentes localizados fora dos grandes centros urbanos com um profundo desejo de escape dentro deles. Como os Jimmy Eat World cantavam em “Work”, adolescentes que sentem que precisam de sair desse sítio enquanto ainda têm tempo de o fazer (“Get out of this place while we still have time”). bbb hairdryer faz música que representa esse sentimento. Só podia ser desta forma: emo visceral.
bbb hairdryer toca na noite de 14 de fevereiro, dia dos namorades, nas Damas.
Recomendações de dezembro e janeiro
Saint Etienne, The Night – Em The Night, os Saint Etienne continuam a abraçar os toques de música ambiente que exploraram nos últimos álbuns. É, mais uma vez, tal como os restantes, um belo disco.
Whirr, Raw Blue – Em Raw Blue, os Whirr revelam o melhor álbum que já apresentaram até ao momento – e finalmente justificam todo o legado que ofereceram ao shoegaze, de forma algo bizarra, nos últimos anos. A controvérsia ainda não ficou totalmente no passado, mas não há dúvida que Raw Blue está recheado de belíssimos e interessantes momentos musicais. A escutar com atenção.
Shinichi Atobe, Discipline – Até vou escrever em inglês para ser bem claro: this is the good shit. Alguma da eletrónica mais hipnotizante que terão a oportunidade de escutar em 2025.
SAULT, Acts of Faith – Não sou tão doido pelos SAULT como alguns outros jornalistas, mas Acts of Faith é mais uma boa adição ao catálogo de Inflo e companhia.
Bad Bunny, DeBÍ TiRAR MáS FOToS – Depois de um menos inspirado nadie sabe lo que va a passar mañana (2023), Bad Bunny está de regresso aos grandes discos. Se não se apaixonarem pelas grandes canções, perdidas entre o reggaeton, a salsa, a pop e a eletrónica, apaixonem-se pela mensagem anticolonialista e romântica do disco de homenagem ao Porto Rico de Benito. Estonteante.
Ethel Cain, Perverts – O novo “EP” de Ethel Cain – que de EP não tem nada – é uma clara demonstração da devoção da autora de Preacher’s Daughter (2022) para com o drone, a música ambiente, e o espectro mais doomer de ambos os géneros. Gostei.
Dean Blunt, lucre – Dean Blunt + Elias dos Iceage = beatitude. Ainda bem que este EP ainda não foi tirado da Internet como outras coisas que o Dean Blunt foi publicando ao longo do tempo. Pop psicadélica da boa.
雪国, Lemuria – Lemuria não possui grandes elementos extraordinários, mas a música que os 雪国 (Yukiguni) apresentam não precisa. Canções bonitas, extremamente bonitas, perdidas entre a dream pop, o pós-punk e o shoegaze. É assim que deve ser. Escutem.
lots of hands, into a pretty room – A falar em canções extremamente bonitas, into a pretty room, o novo álbum dos britânicos lots of hands, está cheio delas. Cuidado, contudo. Se a pessoa certa ouvir isto, corre o risco de apaixonar. São malhas de aquecer o coração e chorar por mais. Mostrem ao vosso parceire.
Mac Miller, Balloonerism – No segundo projeto póstumo de Mac Miller, os responsáveis pelo património do artista recuperaram o “antigo” Balloonerism de 2014. Soa tão urgente em 2025 quanto há dez anos. Uma prenda configurada a rigor para os fãs do autor de The Divine Feminine (2016) e para quem prefere Mac Miller em modo Faces (2014) e The Divine Feminine.
Ela Minus, DÍA – A melancolia de Acts of Rebellion (2020) até pode ainda estar presente em DÍA, mas Ela Minus revela que não tem medo de a explorar de outra forma. Nas texturas eletrónicas destas canções, acabamos por nos perder da melhor forma possível. Gostei bem mais do que estava à espera. Talvez o lançamento que gostei mais deste primeiro mês de 2025?
FKA twigs, EUSEXUA – Inspirada pelas raves que visitou em Praga enquanto gravava o péssimo The Crow (2024), FKA twigs apresenta o “seu” Ray of Light. Começa mais forte do que termina, mas EUSEXUA não deixa de estar preenchido por belíssimas e dançáveis canções.
High., Come Back Down – Shoegaze bem orelhudo e bem feito. Às vezes, é só preciso ser isso e nada mais.
Rose Gray, Louder, Please – Não é particularmente diferenciado em comparação com outras versões da exploração da electro-pop estilo Kylie Minogue em Fever, mas Louder, Please tem canções dançáveis o suficientes para justificar a audição.
Photonz, Incantation EP – A falar em dançável, o camarada Photonz mandou cá para fora o seu primeiro EP de 2025. Para suar sem parar.
LON3R JOHNY e ProfJam, LONDON LP – Não é um EP, e isto talvez seja uma opinião controversa, mas isto é o projeto mais interessante que tanto LON3R JOHNY e ProfJam lançaram deste os tempos da Think Music.
Galeria Incerteza, Mistério Alt. – Não há nada de particularmente inovador em Mistério Alt., mas há momentos interessantes suficientes na estreia dos Galeria Incerteza para irem escutar este devaneio gótico.
Mão Morta, Viva La Muerte – Um disco com a qualidade e irreverência como Viva La Muerte só pode existir quando há um contínuo interesse por fazer coisas novas. Encontrar o Adolfo Luxúria Canibal nas frontlines de todos os concertos não é por acaso.
Blacksea Não Maya, Despertar – Continua-se a sentir os impactos do pós-XEXA (música mais espiritual e introspetiva) na Príncipe e Despertar não foge a esse impacto. Grande álbum este que Blacksea Não Maya nos entregou neste primeiro mês de 2025.
Linda Martini, Passa-Montanhas – Irei desenvolver mais em breve sobre Passa-Montanhas, mas o que posso dizer, para já, é que depois do desapontante ERRÔR, os Linda Martini voltaram à carga. A minha conversa com a banda pode ser lida no Rimas e Batidas.
Diogo, Saudades das Raves a que Não Fui… – EP preenchido na sua totalidade por jarda. Ouçam. De devoção total à rave.
c-mm, Dar a volta – Do seio do coletivo GRAVV., os c-mm revelam ser mais um caso sério de potencial a brotar da Linha de Sintra. O tipo de música rock que só pode ser feito por miúdos que cresceram com a Internet a curtir de bandas como Duster ou Black Country, New Road.
himalion, WYSIATI – Bonito, quentinho, primaveril, sensível. O novo álbum de Diogo Sarabando presenteia-nos com indie folk com tendências mais constantemente deliciosas que o seu predecessor – o estranhamente subvalorizado BLOOMING (2021).
Tomé drum core – O camara Tomé voltou aos projetos e drum core é uma espécie de compilação de canções construídas através de linhas de baterias cortadas e coladas entre si. Tal como no fenomenal Quando Voltar ao Chão de 2024, ao escutarmos drum core ficamos perdido no tempo, no espaço, desconcentrados entre a dança e a transcendência. Mais uma vez, um lembrete: Tomé Silva é um melhores e mais fascinantes produtores da música portuguesa da atualidade. O Panda Bear e a Maria Reis concordam, claramente. É bom que vocês também.