Clave de Sons #7 – O melhor (mas não só) de 2023
Comecei 2023 a achar que ia escrever mais entradas para esta newsletter. Acabei a publicar um total de zero vezes. Parece-me… admirável?
Ao longo do ano, pensei várias vezes como podia resgatar a Clave de Sons. Contudo, dias, semanas e meses decorreram; não voltei a escrever. Quando me surgia uma ideia, rapidamente outra se suplantava na lista de prioridades. Escrevi para novos sítios, tive uma crise existencial e identitária (são diferentes, ok?), questionei tudo o que escrevi, ajudei a erguer uma nova revista digital de música, troquei de emprego, continuei sem fazer da escriba musical vida. Que ano do caneco… só que não.
2023 foi um ano estranho. Queixei-me muito este ano - mais que o habitual! Sinto que vivi grande parte do ano em piloto automático e sem processar a sequência de eventos que se sucedeu após José Pinhal no The Guardian tornar-se uma cena. Síndrome do impostor foi, sem dúvida, o motif para o meu 2023.
Talvez tenha sido por isso que passei grande parte de 2023 à procura de música apaziguadora e catártica. Profissionalmente, foi sem dúvida o melhor ano da minha vida; pessoalmente, foi um ano caótico e turbulento (curiosamente, fez dez anos há não muito tempo o disco dos Linda Martini com esse mesmo nome). Sem falar obviamente de todas as preocupações à nossa volta: crise climática, genocídio, habitação, precariedade… A cassete está, infelizmente, gasta. Ação direta coordenada talvez seja, mais do que nunca na história recente, necessária (se não viram o filme How To Blow Up a Pipeline, recomendo vivamente).
Penso que as minhas escolhas para melhores de 2023 refletem um pouquinho tudo o que aconteceu ao longo deste ano. Algumas escolhas óbvias são óbvias – if you know, you know – mas esforcei-me para nem tudo ser assim tão óbvio. Portanto, aqui ficam: algumas deceções de 2023, 5 EPs internacionais, 10 EPs nacionais, 10 LPs internacionais (lista total de 50), 10 LPs nacionais (lista total de 40), e 15 concertos que marcaram o meu ano de 2023.
Deceções de 2023:
O disco de estreia de Bárbara Bandeira – Muita parra, pouca uva por parte da nossa mais excitante (será ainda?) estrela pop em Finda. Salvam-se os singles e pouco mais.
Pedro Mafama – As explorações de baile e rumba de Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente não chegam nem perto à qualidade e consistência de Por Este Rio Abaixo. Mas props pela proeza de “Preço Certo” ter-se tornado numa das canções mais irritantes do ano.
Adufes e olarilolés – Por cada exploração interessante deste som e estética, existiram duas outras profundamente irritantes. “Maria Joana” é a pior canção do ano na pop portuguesa.
Hip hop no mainstream – Nos Estados Unidos, a decadência de artistas como Drake (piores canções da carreira) ou Travis Scott (UTOPIA é épico, mas a que custo?) mostraram uma certa estagnação do hip hop a nível do mainstream; em Portugal, Profjam tem a honra de assinar o pior disco do ano. MDID é pior que mid – é aborrecido, extenuante e, como bónus, mais problemático que o habitual no hip hop tuga.
A prestação dos BANDUA no Festival da Canção – Esperava bem mais!
1989 (Taylor’s Version) – As “Taylor’s Version” dos discos antigos têm sido todas intessantes (e num caso ou outro, melhores), mas a nova versão de 1989 é um atentado contra um dos grandes discos da pop da década passada.
EPs internacionais:
#5: Angel Olsen, Forever Means – Os EPs de lados B da Angel Olsen são sempre belíssimas adições ao seu canône de cantigas; Forever Means não é exceção à regra. Faixa Essencial: “Holding On”
#4: One Step Closer, Songs for the Willow – Catarse de hardcore melódico inteiramente condensada em menos de dez minutos. Faixa Essencial: “Dark Blue”
#3: Heartworms, A Comforting Notion – Com malhas como as deste EP, é certo que vamos escutar mais sobre o universo gótico de Jojo Orme (aka Heartworms). Faixa Essencial: “Retributions of an Awful Life”
#2: Maruja, Knockarea – A nova melhor banda britânica de tributo aos Slint. Faixa Essencial: “Thunder”
#1: NewJeans, Get Up – Quero que o k-pop tenha mais Erika de Casier envolvida no processo de composição e produção. Fantástico do início ao fim. Faixa Essencial: “Super Shy”
EPs nacionais:
#10: Prestes, É Difícil: Passou ao lado de muito boa gente. Boa mistura de kizomba, tarraxo e zouk com a batida lisboeta. Prestes são Bruno Martins (aka Bruno de Seda) e José Pedro Santos (ambos da agora fama José Pinhal Post-Mortem Experience e outros projetos ligados à cena experimental do Porto). Faixa Essencial: “Ondas”
#9: Manteau, Farsa: Mais interessante e uma melhoria considerável face a Timequake. Ainda há bandas interessantes a sair de Lisboa, afinal. Faixa Essencial: “Funny Hand”
#8: Bruno Brites, MUSGO: Da Linha de Sintra para o mundo; se B Fachada e Dean Blunt fumassem uma em conjunto e fizessem música. Faixa Essencial: “Manique”
#7: Marquise, MARQUISE: Mafalda Rodrigues, Matias Ferreira, Miguel Azevedo e Miguel Pereira curtem muito de Primus ou uns Clã circa Kazoo. Rock dos anos 90 tocado com a emergência dos dias de hoje. São a nova coqueluche do rock portuense - e as suas linhas de baixo são a chave para esse estatuto. Faixa Essencial: “QuatroQuatroCinco”
#6: TOMÉ, All I Am Is We: Jardas para bailar em conjunto saídas da mente da “nossa” claire rousay. Faixa Essencial: “Unemployed Friends”
#5: INÊS APENAS, Leve(mente): Se faltava consistência a INÊS APENAS no seu EP de estreia, INÊS encontra-a em Leve(mente). Belíssimas – e ecléticas – malhas pop. Faixa Essencial: “La Nena” (com SOLUNA). Ler entrevista com INÊS APENAS no Rimas e Batidas
#4: iolanda, Cura: Canções pop que purgam demónios através do trap, R&B e novos fados. Iolanda é o nome mais excitante da “nova pop” portuguesa a ser construída dentro dos estúdios Great Dane. Faixa Essencial: “Quem Tem Mossa”. Ler entrevista com iolanda no Rimas e Batidas
#3: Vaiapraia, Estrelas e Trovões: O melhor projeto envolvendo uma das manas Reis no período pós-Pega Monstro. A escrita de Rodrigo brilha no meio deste indie pop ruralizado. Faixa Essencial: “Cascata Doméstica”
#2: Ana Lua Caiano, Se Dançar É Só Depois: Só bangers. Ao segundo EP, Ana Lua afina as fórmulas do EP de estreia. Como consequência, tem agora em mão um dos discos mais aguardados de 2024. Faixa Essencial: “Dói-me a Cabeça e o Juízo”
#1: L-Ali e Lunn, Balanço: O nosso KAYTRAMINÉ – só que melhor. O melhor projeto onde L-Ali meteu as mãos até ao momento; o que diz bastante sobre o que Hélder Sousa e Lunn andaram a cozinhar. Uma palavra: suave. Faixa Essencial: “Solo” (com benji price)
LPs internacionais:
#10: boygenius, the record – Disco de outono perfeito. Lucy Dacus e Julien Baker brilham; Phoebe Bridgers faz o que lhe compete. São as três melhores cantautoras desta geração. Faixa Essencial: “$20”
#9: Rainy Miller e Space Afrika, A Grisaille Wedding – É um disco de Rainy Miller e Space Afrika – que mais preciso de dizer? Se quiserem sentir paz, escutem este disco. Faixa Essencial: “Maybe It’s Time To Lay Down the Arms” (com Mica Levi)
#8: Danny Brown, Quaranta – O disco mais introspetivo da carreira de Danny Brown é mais uma prova da sua incrível consistência. Faixa Essencial: “Down Wit It”
#7: PJ Harvey, I Inside the Old Year Dying – Polly Jean, you did it again. Um disco onde sonhos e pesadelos são construídos mediante paisagens negras e oníricas de neo-folk. Brilhante. Faixa Essencial: “A Child’s Question, August”
#6: Squid, O Monolith – Os Squid encontraram ao segundo disco a consistência que faltava ao seu primeiro longa-duração. Algumas das melhores canções rock do ano vivem dentro deste monólito de pós-punk experimental e místico. Faixa Essencial: “The Blades”
#5: Sufjan Stevens, Javelin – O disco mais triste da carreira de Sufjan Stevens é também o seu melhor. Infelizmente, é essa a verdade. Arrebatador do início ao fim. Faixa Essencial: “Shit Talk”
#4: Model/Actriz, Dogsbody – Música de dança passada por um filtro de rock industrial ruidoso é, mais uma vez, um casamento perfeito. Para dançar até cair. Faixa Essencial: “Crossing Guard”. Ler entrevista com Model/Actriz na Playback
#3: Kelela, Raven – Se precisarmos de mais cinco anos para um novo disco de Kelela para que ele tenha a mesma qualidade de Raven, então que assim seja. Dos melhores e mais delicados trabalhos de produção do ano. Faixa Essencial: “Contact”
#2: Paramore, This Is Why – As explorações pelo mundo de pós-punk à la Bloc Party dos Paramore recebem nota 20. É o melhor disco de Hayley Williams e companhia. Faixa Essencial: “Crave”
#1: Caroline Polachek, Desire, I Want To Turn Into You – Palavras para quê? Perfeição pop do início ao fim. Faixa Essencial: “Blood And Butter”. Ler crítica na Revista Sound
LPs nacionais
#10: Império Pacífico, Clubs Hit – Um pouco esquecido nas listas por sair mesmo entre o final de 2022 e início de 2023, o regresso dos Império Pacífico (trash CAN e funcionário) aos discos é da melhor eletrónica que por aí anda. Faixa Essencial: “Esplanada Drop” (com Noiva)
#9: Filipe Sambado, Três Anos de Escorpião em Touro – Emoções à flor-da-pele nestes devaneios hyperpop que desaguam em pop louca. Faixa Essencial: “Choro da Rouca”. Ler entrevista com Filipe Sambado no Ípsilon
#8: ben yosei, lagrimento – Se não choraram a ouvir este disco uma vez em 2023, o que andaram a fazer com a vossa vida? Provavelmente coisas melhores que eu, certamente. Faixa Essencial: “Anjo”. Ler entrevista e crítica no Rimas e Batidas
#7: Conferência Inferno, Pós-Esmeralda – Se o mundo acabar amanhã, que dancemos todos ao som destes malhões de synthpop criadas com o coração nas mãos. Faixa Essencial: “Cowboy Bêbado”. Ler entrevista com Conferência Inferno na Playback
#6: Riça, Diabos m’ Elevem – Hip hop nascido a partir do purgatório entre o campo e a cidade. Experimental, mas sem nunca esquecer a melodia, o storytelling e a ambiência pagã. Faixa Essencial: “Rato do Campo & Rato da Cidade” (com Rokelhe). Ler entrevista com Riça na Playback
#5: Dispirited Spirits, The Redshift Blues – Uma epopeia catártica preenchida por música emo, rock progressivo e pós-hardcore que precisa de ser escutada por todos com urgência. O futuro do rock português passa por aqui. Faixa Essencial: “Bring Down the Sky”
#4: XEXA, Vibrações de Prata – O lançamento mais introspetivo do catálogo da Príncipe? Parece que sim. Não é muito para bailar – mas também o é – mas é muito para refletir. São os sons de África a serem construídos longe das expectativas do Ocidente. Faixa Essencial: “Clarinet Mood”
#3: T-Rex, COR D’ÁGUA – Um clássico instantâneo do hip hop tuga. Um disco gigante – em tamanho e qualidade. É o disco que assume de vez que a pop, em Portugal, escreve-se oficialmente através do hip hop. Faixa Essencial: “VOLTA”
#2: EU.CLIDES, DECLIVE – É o desaguar de tudo o que foi erguido pelos “novos fados” nos últimos anos. DECLIVE é EU.CLIDES, Pedro da Linha e Tota a operar a um nível altíssimo – nem uma má cantiga há para escutar neste disco. Num ano normal, seria facilmente disco do ano. Faixa Essencial: “Tê Menos Um”
#1: Glockenwise, Gótico Português - Mas 2023 não foi um ano normal e Gótico Português é o disco que melhor encapsula 2023 em todos os seus aspetos. É um disco recheado de ansiedade e desafios, utilizados como recheio a uma margem mística de pop erguida através das noções ruidosas e texturais do shoegaze. Se um álbum tem umas sete candidatas a malha do ano, se calhar é mesmo o disco do ano, não é? Parece que sim. Faixa Essencial: “Besta”. Ler crítica na Playback
Concertos:
#15: Filipe Sambado @ Lux Frágil
#14: Dispirited Spirits @ Maus Hábitos
#13: T-Rex @ Coliseu dos Recreios
#12: Luís Severo @ Culturgest
#11: Silvana Estrada @ B.Leza
#10: MAQUINA @ Zigurfest
#9: The Hives @ MEO Kalorama
#8: julie @ Vodafone Paredes de Coura
#7: Caroline Polachek @ Super Bock Super Rock
#6: Unwound @ Primavera Sound Porto
#5: Hetta @ Galeria Zé dos Bois
#4: St. Vincent @ Primavera Sound Porto
#3: Model/Actriz @ Galeria Zé dos Bois
#2: Glockenwise @ Culturgest
#1: Lorde @ Vodafone Paredes de Coura